Papai é biólogo e mamãe faz academia. Foi isso que num bate papo informal, Maria falou para um rapaz que veio buscar uma doação na casa dos meus pais.

É engraçado e triste ao mesmo tempo. Não é a primeira vez que a D.Maricotinha fala assim. Ela não tem culpa. É uma criança. E retrata o que  vê, o que vive. É assim que enxerga papai e mamãe. E claro que ela não vai (e nem sabe) narrar toda vez, que mamãe trabalhou anos e anos, mas  teve que abdicar do trabalho em alguma empresa, para se dedicar aos cuidados da pequena. É uma história longa. 

Fiquei e fico me sentindo uma “perua” toda vez que isso acontece. Enquanto o marido dá duro a mulher “faz academia”. 
Embora não seja isso e nem o marido aceite que fale assim, é assim que me sinto.

Isso me faz lembrar também como é desvalorizada essa classe de “dona de casa”, que até hoje não me conformo e nem aceito o título. Não por preconceito, mas porque já fiz tanta coisa em minha vida, que não me sinto apenas dona de casa. 
Não tenho carteira assinada, não recebo pra isso. Então não tenho a profissão de “dona de casa, doméstica ou do lar” como queiram. Do lar então é massacrante.

Adoro organizar minha casa, mexer nas minhas coisas, colocar as coisas como gosto. Sentir a casa cheirosa e com a minha cara. Mas não aprecio esse título.

Certa vez, estávamos eu e meu marido em um banco, resolvendo coisas burocráticas. A gerente precisava preencher a lacuna da profissão da esposa. E vem a resposta constrangedora:

– Não estou trabalhando.

Então o que virei na hora: “do lar”. 

Saí de lá chateada e com vontade de riscar aquilo.

Um cadastro aqui, outro ali e já estremeço. Mas logo falo que sou “radialista”, se o cadastro não exige renda. É isso que sou. É o que mais tenho rabiscado em minha carteira profissional e o que mais trabalhei a vida toda. 14 anos de profissão. Como posso ter virado “do lar”?

No diploma guardado numa pasta de capa dura, bem bonitão, mas lá no meio de outras tralhas no armário, está o título de “Educadora Física”. Apesar de não ter exercido a profissão, tenho um certo orgulho por tê-lo… Mesmo que lá “no fundo do baú”.
Agora, se eu estivesse na rua, ingressada no bendito mercado profissional “normal”, eu já deixaria meu “agradável’ título de “do lar” para ser alguma coisa.. Sei lá o quê…
E minha casa? Ficaria então sem a estimada dona dela. E meu título “querido”, iria pro beleléu… E já ia tarde. Vai entender isso? Nem quero…
– Maria Clara minha filha, vem aqui. A partir de hoje sou “es cri to ra”.

Pronto: “Escritora”. Adorei. Já me sinto uma escritora estando aqui diariamente, lendo, me informando e escrevendo. E de mais a mais não recebo pra ter o título de “dona de casa”.  

Então, posso ser o que eu quiser, ou o que me dê mais prazer e me sinta melhor fazendo.  

– Daqui pra frente quando perguntarem o que mamãe é, diga, escritora. Vai lá perguntar o papai.

E veio D.Maricota.

– Papai disse que você é escritora e pintora.

Oba!!! Ganhei dois títulos bacanas. Ando arriscando uns coloridos em tela. Até que dão resultado. 

E a mamãe, o que é? “Pintora e escritora” 

Viva! Chega de ser perua…