Ultimamente vivemos apertados com as artimanhas da vida. Depois da doença do vovô Pedro que nos entristeceu profundamente, de uma certa forma, tudo anda meio fora de ordem, para os de perto e para os de longe: vovô internado e vovó fora de sua casa com outros cuidados que são possíveis no momento. Todos os dois tratados com muito carinho e cuidados, mas de maneira diferente do cotidiano de anos…
É quase impossível não trazer a angústia pra dentro do convívio familiar. Cada dia uma notícia diferente e vamos sustentando a vida dessa forma. 
Quantas vezes Maria viu mamãe chorando, falando ao telefone resolvendo os problemas com as pessoas,  conversando com vovô quando ele ainda conversava, nervosa ou mesmo tristonha pelos cantos. Inevitável não viver isso tudo em um momento desses. 
Hoje estamos mais calejados, parecemos até anestesiados com tudo isso e decidi não mais contar para Maria toda as versões da história quando ela nos chega mais complicada. Mas antes estava quase impossível não deixar transparecer certas coisas. Estamos envolvidos com tudo afinal.
Estamos percebendo Maria mais nervosa, mais irritada com tudo, menos paciente com acontecimentos pequenos que ela mesma provoca. Não consegue montar um brinquedo se irrita, não tem uma resposta que gostaria do papai e da mamãe, esbraveja, é negada de alguma coisa que não pode ser aceita pelos papais no momento, se rebela. 
Acho que mais do que a idade que está avançando – suponho – todo esse momento de tensão anda deixando a Senhorinha também à flor da pele. Não são todos os dias dessa forma, há dias de mansidão e compreensão para seus desejos infantis, mas talvez por tudo que estamos passando, a irritação se instalou.
Maria é uma menina meiga, carinhosa e muito generosa, mas é claro que a criança absorve muita coisa nessas circunstâncias, ela percebe tudo ao seu redor, é sensível pra isso, vê tudo acontecendo e carrega a carga pesada pro seu mundinho frágil. Nem tudo deve ser poupado, ela também precisa ser forte, mas muita coisa tem sido necessária deixá-la de fora.
Esses dias tivemos irritação por aqui. E mesmo sabendo que pode ser algo emocional – de alguma forma é – temos que ser firmes com ela, pois é preciso controlar seus impulsos.
Irritações pra lá, repreensões pra cá, a mamãe guarda seu caminhãozinho recém ganhado que trouxe da viagem feita semana passada para ver o vovô e vovó. D.Maricotinha pediu ha mais tempo um carrinho de madeira, e eu longe, com o coração manteiga de mãe, trouxe a lembrança da estrada.
Já com motorista a posto no volante
Apaixonou-se por ele. Mas foi preciso guardá-lo pra ela sentir que há limites até mesmo para irritações, desavenças e outros atropelos infantis que precisam ser controlados apesar de tudo.
Passado todo o momento, Maria volta da escola, depois de muita conversa está mais mansa. Mas o caminhãozinho guardado, possivelmente estenderá assim até o fim de semana. Dessa vez, bem humorada, espalha “panfletos” pela casa em busca do carrinho perdido. 
Na geladeira
Na parede
No sofá
Procura-se um carrinho! (*coisas de Maria)
Hoje estava meditando em posição de Yoga fazendo “auhunnn” e produzindo pulseirinhas para as amigas. Tive que rir escondida…
E vamos levando, assim, com o vovô frágil demais, a mamãe ainda triste e naturalmente apreensiva e o carrinho guardado até quando precisar.
A vida é dessa forma, com seus apertos, atropelos, tristezas, alegrias, acolhimentos, erros e acertos. Vamos tentando de alguma forma consertar algo aqui e ali e viver melhor a cada dia, com tudo e com todos, apesar de…
“O correr da vida embrulha tudo, 

a vida é assim: 


esquenta e esfria, 

aperta e daí afrouxa, 
sossega e depois desinquieta. 
O que ela quer da gente é coragem. 
O que Deus quer é ver a gente 
aprendendo a ser capaz 
de ficar alegre a mais, 
no meio da alegria, 
e inda mais alegre 
ainda no meio da tristeza! 
A vida inventa! 


Do livro “Grande sertão Veredas” 

Guimarães Rosa